“Eu cozinho pela educação”, diz a chef Janaína Rueda, do restaurante Dona Onça (e também a Casa do Porco, Hot Pork e Sorveteria do Centro). Essa mensagem ecoou na voz de cerca de 20 membros da comunidade da Vai-Vai, tradicional escola de samba paulistana do bairro da Bela Vista, que ocuparam, na última terça-feira (29/10), uma das cozinhas do curso de gastronomia da FMU, para um treinamento em cozinha brasileira. O curso é uma parceria da chef com o Instituto Brasil a Gosto e o centro universitário. Durante quatro encontros, Janaina ensinará o preparo de quatro receitas bem emblemáticas da nossa cozinha: feijoada, moqueca, galinhada e estrogonofe. 

 

A ideia é que a comunidade se sinta capacitada a preparar esses pratos na quadra sempre que houver um evento ou atividade para arrecadar fundos para as inúmeras atividades da escola. 

 

“Cresci nessa quadra e muito do que aprendi e dos valores que tenho hoje aprendi na Vai-Vai. Nada mais justo e gratificante que poder retribuir ensinando um pouco do que aprendi na profissão de cozinheira. Algumas dessas senhoras me conhecem desde pequena! É muita emoção ver esse projeto acontecendo”, complementa a chef. 

 

Janaína enfatiza que essa iniciativa vai muito além da transmissão de conhecimento: o grupo torna-se agente propagador desses saberes em seus próprios círculos, seja com amigos, família ou vizinhos. “Esses pequenos gestos fazem uma diferença enorme. Com frequência, essas informações passadas aqui – por exemplo, que devem substituir os temperos industrializados por caldos caseiros – não chegam a eles”, observa a chef. 

 

Na cozinha

Na primeira aula, o beabá ficou por conta da feijoada. Janaína demonstrou o passo-a-passo de sua famosa receita. Contou que costuma usar carnes frescas, no lugar das carnes secas e excessivamente curadas, depois dessalgadas. “Fazia mais sentido usar as carnes curadas uma época em que não tínhamos refrigeração”, explica. Seu tempero: só sal e pimenta-do-reino. E, para grelhar, frigideira bem quente para provocar a chamada reação química de Maillard – responsável por aquela crostinha no fundo da panela que potencializa o sabor de carnes e vegetais. O “frita e pinga” (água) na panela também ajuda a potencializar o preparo, sem deixar as carnes queimarem. 

 

Depois de seladas, as carnes vão pra panela de pressão finalizar o cozimento – por não mais do que duas horas. Arroz branco para um batalhão: refoga a cebola, depois o alho. Enche a panela até metade com água e deixa ferver. Joga o arroz. Mexe e vai olhando. Quando começar a secar, desliga e tampa a panela. 

 

Para servir com salada de couve, tartar de banana, farofa e pimenta. 

Comida de herança
Para o segundo encontro do projeto, Janaína escolheu a moqueca. E, claro, a protagonista da noite rendeu um bom caldo – na panela e na roda de conversa. “Para começar, quando se fala deste prato no Brasil, a primeira e talvez única associação é para o comparativo se é baiana ou capixaba. Nenhuma das duas, a minha é a da Janaina!”, comenta a chef. “E leva em consideração toda a origem possível de se mapear, já que é o resultado de um misto de influências: os cozidos portugueses, o moquém indígena – técnica de secar ou assar alimentos em uma espécie de churrasqueira de gravetos e a poxeca, uma caldeirada de peixes dos africanos”, completa.  

 

Da teoria para a prática, Dona Onça ressalta que a alma deste prato está na preparação da base, o caldo, que não desperdiça nada e deve ter espinha e cabeça de peixe, que cozinham com legumes por, no mínimo, trinta minutos. O clássico pede cenoura, salsão, cebola, mas durante todo o tempo ela encoraja a usar o que tem na geladeira e isso inclui até verduras como o repolho. Prepare este e reserve.

E assim como na feijoada, considera a reação de Maillard – que é a provocar aquele fundinho dourado da panela – é o que dá sabor ao prato e sem trazer o peso quando há o uso de muitos condimentos e de dendê. “Para refogar, só azeite, cebola, alho. Depois, você vai entrar com os pimentões da moqueca, refogados, previamente e separadamente, cada um dos tipos escolhidos. Usei vermelho, verde e a quantidade dobrada do amarelo, que é mais suave. Tudo isso no caldeirão, junte o caldo, deixe apurar por alguns minutos, coloque tomate em rodelas, cúrcuma e uma gotinha de dendê se fizer questão dele. Quando estiver já mais espesso, adicione os peixes e os camarões e deixe por apenas três minutos, para que não desmanchem. Ao desligar, coloque o cheiro verde”.  A receita pode ser servida com farinha de mandioca fina ou flocada, arroz, conserva de pimenta de purê de banana, feito com a nanica cozida só em água com sal e batida no processador. 

 

Brasileiro, sim
No terceiro encontro, a estrela foi o estrogonofe. Janaína contou a história do prato, que teria surgido na cozinha do conde Stroganov, na Rússia, onde era feito com creme azedo e carne conservada na vodca. Chegou ao Brasil graças aos ricos barões do café que se encantaram pelo prato descoberto na França. Janaína fez questão de ensinar uma versão sem produtos industrializados – portanto, sem molho inglês, nem mostarda, nem catchup. “Essa é a mesma versão que ensinei para as merendeiras do Estado de São Paulo, uma receita sem processados e barata”, contou. Para temperar, sal e pimenta do reino, muita cebola. No lugar do cogumelo em conserva, cogumelo Paris cru. Outra dica da chef veio na hora de preparar as batatas: nada de lavá-las, para não perder o amido. E, para deixá-las mais crocantes, ela adiciona um tantinho de amido (maizena) extra. Na panela, as batatas entram junto com o óleo, que fica esquentando com a tampa fechada. Só quando começa a ferver ela tira a tampa e vai controlando a fritura. O resultado: aprovadíssimo!



A última aula, prevista para o dia 19, terá como tema a galinhada. Confira, em breve, receitas e mais detalhes por aqui. 

 

 

 

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