A ação de distribuição de alimentos promovida pelo Instituto Brasil a Gosto no último final de semana na Vila Brasilândia é um desses episódios que invadem a história de quem participa, deixando marcas e esperança de um futuro com uma cozinha brasileira boa e justa, ao alcance de todos.
Movimentar um volume de mais de 10 toneladas de alimentos frescos, a maioria in natura, dentro de umas das regiões mais atingidas pelo Covid-19 no país, respeitando os cuidados sanitários necessários para não expor as centenas de pessoas envolvidas a riscos desnecessários, é um desafio logístico imenso.
O trabalho começou na segunda-feira, cinco dias antes da entrega. A Cooperquivale, eixo central desse projeto, que coordena e distribui a produção agrícola de diferentes comunidades do Vale do Ribeira, elaborou uma lista de demandas de produtos e enviou para as comunidades, solicitando a colheita e remessa desses alimentos para a sede em Eldorado. Cada produtor avaliou sua capacidade de atender a demanda e retornou para a Cooperquivale, confirmando o pedido.
Na quarta-feira, os produtos começaram a chegar na cooperativa em Eldorado, onde se iniciou a triagem, organização nas caixas para transporte e pesagem oficial. Esse processo se estendeu durante dois dias, possibilitando que, na sexta-feira, tivéssemos um caminhão com quase 600 caixas de alimentos diversos, de origem da Roça Quilombola e da pesca caiçara, com destino à Vila Brasilândia.
Esse caminhão, dirigido pelo Leandro, saiu às 4hrs da manhã de Miracatu, no Vale do Ribeira, para chegar às 7:30hr na Vila Brasilândia, onde os encontrei. Conto esse percurso até aqui para entendermos quão complexa é essa cadeia, e quanta gente incrível está envolvida nela, para que possamos realizar algo tão grandioso.
Foram mais de 25 voluntários envolvidos na ação de distribuição na Brasilândia, que foi realizada em três pontos diferentes. Somando todos os atendidos ao longo do dia, conseguimos fornecer alimento para 915 famílias, além de oferecer insumos para uma creche que, apesar de não estar atendendo, continua alimentando 150 crianças da comunidade, por dia.
No primeiro ponto de distribuição, elaboramos um esquema de montagem de kits com pelo menos 10 itens da roça quilombola, além do peixe-seco caiçara. Todo o processo foi pensado de forma a não produzir lixo plástico, portanto, as famílias atendidas pelas doações eram orientadas a trazerem suas sacolas, bacias ou caixas para transportarem os produtos doados.
Nesse modelo, enquanto alguns voluntários organizavam a fila, outros montavam os kits. Eles eram compostos, em geral, por: palmito pupunha fresco, farinha de mandioca, rapadura, taiada, mel, peixe-seco, mandioca, cará ou inhame, abacate, limão, mamão, variedades de banana, laranja, mexerica e banana-chips. Foram 685 famílias atendidas nesse modelo, entre as 8hrs e as 14:30hrs. Foi também neste momento que recebemos e atendemos a demanda de ingredientes para a creche. Conseguimos atendê-los com caixas de inhame, mandioca, peixe-seco, laranjas e bananas.
Finalizada essa distribuição, tínhamos ainda uma centena de caixas com inhame, limão, laranjas e variedades de banana. Seguimos, então, para um segundo ponto, onde conseguimos atender mais 140 famílias.
Existem mil sentimentos envolvidos num processo como esse. Tem cansaço, tensão, tem preocupação com a transmissão do covid-19. E tem também a surpresa, o inesperado, as conexões que ficam evidentes do quanto somos esse povo misturado, com um saber precioso sobre nossos ingredientes e que, sem dúvidas, precisamos lutar com ainda mais força para preservar.
Na correria desse processo logístico intenso era comum ouvir no burburinho da fila a alegria em saber que tinha “inhame graúdo”, que tinha “mandioca amarelinha” ou o “limão da roça”. Estamos falando aqui de reencontro com ingredientes que muitas vezes caíram em desuso ou se tornaram inacessíveis a muitos membros dessa comunidade. É sobre comida, mas é também sobre identidade, como a alegria da moradora que me falou que desde que veio para São Paulo não comia farofa de peixe-seco, anunciando que seria a mistura do almoço daquele dia.
Já passava das 16h quando fomos para o terceiro ponto de distribuição com 23 caixas de banana e algumas caixas de inhame. Estacionamos o caminhão numa das ruas de acesso à comunidade do Iraque. Partimos batendo de porta em porta e avisando que havia doação. Não demorou muito para que conseguíssemos atender mais 90 famílias.
Voluntários liberados, Leandro, o motorista do caminhão, pôde então fazer sua viagem de volta: mais 3 horas de estrada até chegar em Miracatu, onde descarrega e higieniza as caixas vazias. O trabalho também continua, diariamente, nas roças quilombolas e na pesca caiçara. Também segue diário nosso trabalho de divulgação e arrecadação. Afinal, a campanha continua, porque ainda há muita gente com fome e muita comida a ser colhida e vendida. Colabore conosco, contribua! #pelacozinhabrasileira
Que trabalho lindo, conheci através do chefe Guga Rocha numa live no Instagram