Nas aulas, mulheres vítima de violência doméstica da Casa Marta e Maria aprenderam a fazer bolo, biscoitos e bolachinhas. O objetivo é ajudar na capacitação, recuperação de autoestima e geração de renda
Por Leticia Rocha
Foram conflitos familiares que levaram a paulista Lílian Cataldi, 38 anos, a se abrigar no centro de acolhida Marta e Maria, no Belenzinho, região leste de São Paulo,em três ocasiões diferentes. A última estada, motivada por desemprego e pelo fim de um relacionamento, começou há um ano. “Sei que esse é um lugar de passagem e encaro, grata, essa possibilidade e quando ‘caio’, posso ter uma chance de me reerguer.”
Lílian é uma das cerca de 20 mulheres ao redor da mesa que acompanham, atentamente, o chef Thiago Andrade e a cozinheira Karina Carvalho. Por três dias, a dupla de profissionais do Instituto Brasil a Gosto se dedicou ao grupo, ensinando receitas como goiabinha, sequilho, biscoito de polvilho, bolo mesclado e de coco.
A iniciativa, batizada de Oficina Gastronômica, é fruto de uma parceria entre o Instituto Brasil a Gosto e o centro de acolhida, que hoje possui ‘80 ‘conviventes’ – entre mulheres em situação de risco e vulnerabilidade social e seus filhos; e visa ajudar na capacitação, recuperação de autoestima e geração de renda, tudo por meio da comida. “Tenho muita gratidão ao espaço e esse tipo de ação porque são coisas que nos dão motivação para levantar”, diz Lílian, que sonha encontrar um trabalho: “Antes de vir aqui, já deixei um currículo em um restaurante. Sempre que posso, quando a depressão não atrapalha, vendo trufas na rua para a vizinhança”, conta ela, que, em “um mês bom”, consegue ganhar 80 reais. O dinheiro ela poupa e, quando dá, cede aos mimos dos filhos Henrique, 6 anos, e Ingrid, 11, que vivem com ela, no abrigo. “No nosso dia a dia, temos exemplos de superação e vitória. A Maria é uma dessas guerreiras”, revela ela.
Maria (que por questões de segurança prefere não revelar seu sobrenome), 58 anos, é outra das aulas da oficina. E das mais aplicadas: “Sou elétrica e não consigo ficar parada. Já estou pensando em fazer essas receitas para vender”. Há sete anos, ela é funcionária da Casa Marta e Maria, onde trabalha como cozinheira. “Tenho contrato assinado, como sempre quis. Eu me emociono e me arrepio toda vez que lembro isso! Pago aluguel, voltei a ter a minha casa, voltei a viver e a conviver”, desabafa. “Mas, quando cheguei aqui, foi por ter perdido tudo e ter morado na rua! Foram 15 dias em que eu vi e vivi as coisas mais angustiantes da minha vida, mas ao mesmo tempo foi ali que eu recebi a ajuda que foi essencial para a mudança: uma outra morada de rua me indicou um albergue. E depois de um tempo ali, já conheci o Marta e Maria, me mudei e consegui um emprego, em uma casa de shows na Vila Madalena. Eu cruzava a cidade todo dia para trabalhar lá, mas tinha que ‘esconder’ a minha real condição e endereço”.
“Maria, além de guerreira, tem mãos de fada! Com seu trabalho, leva amor à essas pessoas tão vulneráveis e tão necessitadas de carinho, força e motivação. Faz um bolo de chocolate, torta de frango e coxinha como ninguém. E assim como Maria, mais duas mulheres são tidas como espelho a seguir lá, a Carla e Valdirene, que foram acolhidas ali e hoje são funcionárias e atuam na cozinha”, conta Roberta Gonçalves, orientadora social e educativa da entidade.
As oficinas aconteceram de 17 a 19 de outubro, na CEFOPEA – Centro de Formação Profissional e Educação Ambiental, entidade irmã da Marta e Maria e que fazem parte, ao lado de mais cinco unidades, da Reciclazaro – associação cujo slogan é ‘preservando a natureza, reciclando vidas, reduzindo a violência; criada há vinte anos, pelo Padre José Carlos, na Vila Romana, em São Paulo.