Carqueja, boldo e jurubeba são só alguns dos ingredientes usados nos coquetéis apotecários da jornalista e consultora de bebidas
Quando você pensa em tomar um drinque, qual vem à sua cabeça? Gim tônica? Negroni? Martíni? Embora todos sejam deliciosos, muitas vezes o que falta é uma certa… brasilidade. Foi com isso em mente que Néli Pereira, bartender e consultora de bebidas, começou a fazer misturas com raízes bem brasileiras em seu bar em São Paulo, o Espaço Zebra. Hoje, o local, uma casinha no Bexiga, é um sucesso graças a sua coquetelaria apotecária.
E essa história toda começou em… Londres! Foi lá que a jornalista especializada em cultura foi para fazer um mestrado em Estudos Culturais Latino-Americanos. “Nessa época eu ainda não tinha comigo que faria algo com gastronomia e coquetelaria. Mas meu interesse desde sempre foi falar sobre o Brasil”, conta. Na volta ao país, a curitibana passou dois anos estudando vinhos e, em 2012, ela e seu marido abriram o Zebra. “Tinha claro que queríamos que esse fosse um lugar que falasse do país, tanto com a arte do Renato, que é artista plástico, quando com o que eu fazia”, diz.
“Sempre gostei de bebidas e de beber bem. Meu pai era um bom bebedor de uísque, o que fez com que eu me interessasse pela qualidade e por pesquisar aquilo que eu tomava”, diz. No Zebra, Néli começou a trabalhar com cervejas artesanais, mas como era uma época de coquetéis, resolveu acrescentar opções no cardápio. “Fui estudar e pesquisar o assunto. Queria descobrir mais sobre a coquetelaria apotecária (é uma coquetelaria artesanal que leva em conta princípios do uso de plantas, cascas, ervas e raízes tendo como condutor álcool), como se fazia um xarope. uma infusão, uma maceração artesanal. Isso era 2013 ou 2014, quando não tinha ninguém abordando esse assunto ainda”, diz. E foi a partir dessa pesquisa que os sabores brasileiros passaram a ter destaque principal na vida da bartender.
“Quando comecei a fazer bitter (um azedinho que se usa em bebidas), vi um monte de bartender procurando os ingredientes fora do Brasil, que eram difíceis de encontrar. Sem olhar em volta. Qualquer boteco por aqui tem infusões em cachaça feitas com ervas como jurubeba, carqueja, catuaba… Eu só precisei juntar as duas pontas”, disse Néli, que conta que os aperitivos digestivos e os “amarguinhos” sempre estiveram em nossa cultura. Tudo já estava disponível no Brasil, bastava valorizar.
“Todos os ingredientes usados nas infusões dos bares tinham uma relação com a nossa medicina popular. Isso já estava feito nos botecos. O que fiz foi começar a trabalhar com isso no meu bar. Infusionei carqueja na vodca, no saquê, no uísque e em um monte de outros destilados. Comecei a ver que tínhamos uma infinidade de sabores. E foi um caminho sem volta: quanto mais você pesquisa e descobre, mais quer saber. Fui a aldeias indígenas, falei com erveiras, pessoas que trabalhavam com botânica, visitei o cerrado, a Amazônia… Tudo para entender como esses ingredientes eram usados e qual sabor dariam aos coquetéis”, conta Néli.
Para tamanha dedicação a plantas – encontradas nos quintais, nas florestas mas também nas praças das cidades –, é preciso amar a culinária brasileira. “Para mim ela significa uma conexão e uma reconexão. É se reconectar porque ela faz parte da nossa cultura alimentar,