“É automático: quando chega janeiro, época de férias, me transporto para minha infância. Lembro, com riqueza de detalhes, da família organizando toda a viagem: partíamos de Salvador, de barco, rumo a São Roque, cidadezinha já no Recôncavo Baiano. Dali, pegávamos um trem até a estação Engenheiro Franco, onde começava a primeira parte do passeio: uns três dias na casa que meu pai construiu para a gente descansar, enquanto ele checava o andamento de sua pequena fábrica de queijos.
O negócio era voltado especialmente para o fabrico de um produto semelhante ao Catupiry, além de manteiga e creme de leite. Enquanto ele trabalhava ali, minha maior diversão era correr para o riacho nos arredores para pescar com o meu irmão. Como isca, usávamos uma garrafa com um pouco de queijo. A gente mergulhava a garrafa na água e depois puxava de volta. Ela voltava cheia de trairinhas, um peixe minúsculo que a gente comia bem fritinho, empanado, como uma manjubinha. Minha mãe já sabia: quando a gente saía rumo a essa aventura, ela tinha que incluir esse aperitivo antes do jantar. Outro ingrediente frequente em São Roque era o queijo fabricado por meu pai como recheio de tudo, especialmente de frituras, no estilo do pastel, ou assados, como torta. Ele também era muito usado para gratinar alguns pratos, como hoje fazemos com o escondidinho.
De São Roque, íamos para a fazenda da família, em Santa Inês, distante apenas alguns quilômetros dali. Lá, minha diversão era brincar de servir as pessoas, na casinha de taipa que meu pai construiu para mim no quintal. Eu trazia as comidas da casa central, montava a mesa e chamava todo mundo (meus pais, avós, vizinhos, colonos) para comer. O carro-chefe era um pão bem dourado, em forma de anel, que ia para o forno e, depois, em pedacinhos, era mergulhado em um fumegante prato de caldo de galinha. O sabor era bem semelhante ao de uma canja.
Outra brincadeira que eu adorava era ficar na janelinha fingindo que estava vendendo quitutes. Também gostava de montar a mesa na hora da merenda, no meio da tarde. Daí eu servia um pão bem dourado, em forma de anel, umedecido com leite, açúcar, canela, que depois ia ao forno. O gosto é muito parecido com o da rabanada.