“Essa revista é brasileira e não tem nenhuma receita do Brasil?”, questionou a soteropolitana Bettina Orrico, lá nos idos de 1970, quando assumiu as páginas de cozinha da Claudia, a maior e mais antiga revista feminina do país.
Pouco a pouco, ela foi semeando essa ideia, pioneira e até estranha para a época. A própria Bettina era (e ainda é) ávida colecionadora de revistas estrangeiras de gastronomia e estava acostumada com receitas americanas, francesas ou tudo o que fosse chique naquele período.
A faísca foi acesa quando ela morou em Roma, depois de estudar Belas Artes no Brasil. Na Itália, percebeu o orgulho da população pela própria comida e quis replicar esse sentimento por aqui. Mas era difícil enfrentar o mercado, fato que ela conseguiu depois que foi escalada para viajar pelo Brasil ao lado de Paul Bocuse , o chef francês que é tido como um dos grandes nomes da história da gastronomia mundial. “Um dos meus primeiros desafios na revista foi viajar pelo Brasil acompanhando o chef francês Paul Bocuse (1926-2018). Eu me encantei pela forma como ele falava da importância da cozinha de cada país, preocupado com o que acontecia nos restaurantes e nas casas das pessoas. Ele mesmo sentiu falta dessa paixão por aqui”, relembra ela.
Quando finalmente conseguiu mostrar na redação como a Itália e a França, berços gastronômicos clássicos, encaram a comida, recebeu carta branca para incentivar a comida brasileira. Deu tão certo que hoje, aos 85 anos, Bettina é tida como a dama do jornalismo dedicado à culinária. Acumula uma série de prêmios por sua ousadia, na época capitaneada de dentro de uma cozinha experimental que tinha seis pessoas testando receitas, diariamente. “Foram 45 anos, de 1973 à 2018. Me sinto muito grata. Nem acho que mereço o rótulo de precursora, mas me orgulho, sim, de até hoje ser abordada por pessoa que me dizem: ‘Aprendi a cozinhar com você’. Acho que de fato eu atingi minha meta!”, declara ela, que a partir de agora será colunista do Instituto Brasil a Gosto.
“Minha batalha agora é para que a cozinha se consolide. Vivemos um ‘boom’ na última década, mas isso não pode morrer. Essa euforia tem que ser tratada de maneira positiva, como uma arte que é essencial: comer bem, comer bonito, como uma celebração, uma cultura”. Bem-vinda, Bettina.
Foto: Broa de fubá (Ale Schneider)