O escritório dele é privilegiado: a Amazônia. Mais precisamente, a comunidade de Chicano, que possui apenas 500 habitantes e fica perto da pequena Santa Bárbara do Pará, distante cerca de 50 km (e, a depender das condições da estrada, 1 hora e 20 minutos) de Belém.
Foi lá que César de Mendes, astuto pesquisador e um apaixonado pelo cacau, fundou a De Mendes – Chocolates de Origem Amazônia, em 2010. Referência quando o tema é chocolate de origem. César nasceu em Macapá, no Amapá, de uma família de índios, quilombolas e judeus do Marrocos. Cresceu com o cacau no quintal de casa e pela vizinhança. Formou-se em Química Industrial, Química e Engenharia Química (sim, três graduações!), fez cinco especializações e dois mestrados, todos voltados para suas áreas de estudo, de olho no mundo acadêmico.
Acabou seguindo pela área de Engenharia Alimentar e indo morar em Belém, onde se reencontrou com suas raízes e isso inclui o cacau. Em 2005, resolveu aventurar-se em uma cooperativa de pequenos produtores, mas a iniciativa não decolou. Foi então que começou a vender os tabletes que produzia para amigos na capital paraense. A memória da infância entre os cacaueiros, somada a muitas imersões na Amazônia para pesquisá-lo, o incentivou a, cinco anos depois, abrir a empresa que carrega seu nome e que hoje tem em seu portfólio sete versões feitas com cacau nativo da Amazônia – incluindo cacau de floresta densa, de várzea e de áreas ribeirinhas, além de um rótulo desenvolvido só por mulheres, outro feito com leite de búfala e o mais recente deles criado com índios Yanomami, de Roraima. “As entidades da floresta desceram aqui na fábrica e trouxeram um perfume que não tínhamos experimentado antes. O resultado disso, é fora da curva, um chocolate com presença na boca, com doce equilibrado. Sua formulação conta com 69% de cacau, 2% de manteiga de cacau nativo beneficiado na comunidade Waikás e 19% de rapadura orgânica. O lote é limitado a mil barras de 50 gramas”, explica. “É uma iniciativa capaz de mostrar em poucos gramas o valor inestimável da floresta em pé, do território preservado e do conhecimento tradicional Yanomami e Ye’kwana vivo. É um ato anti-garimpo!”, alerta o chocolatier.
O grande diferencial dos produtos da De Mendes é justamente o uso de variedades de cacau nativas (no lugar das adaptadas, como outros produtores). É o caso do floresta, ou Theobroma cacao, e do cacau do Jari, descoberto após uma imersão na mata em um pequeno território entre Amapá e Pará. Curiosidade: embora tradicionalmente a Bahia seja o Estado associado ao cacau no Brasil, a primeira muda ali plantada, ele conta, veio do Pará.
Com notas doces e florais, o especial cacau do Jari já despertou interesse internacional e levou De Mendes para Rússia, Itália e França. O chocolate desenvolvido com ele chegou a ser vendido em endereços badalados do meio gastronômico como Eataly, Empório Santa Luzia e St Marché, em São Paulo, além de lojas de Nova York e Paris. Hoje, porém, a expansão da De Mendes foi desacelerada: “Prefiro investir meu tempo e esforços captando novos fornecedores, dialogando com as comunidades e vendendo o meu chocolate para quem entende, minimamente, a questão do cacau, da floresta, da Amazônia. Hoje, comercializo no meu site, na minha base em Chicano e em eventos pelo Brasil e o mundo. E, em breve, por uma plataforma especializada, a Amazônia Hub. Em Belém, também é possível encontrar nossos produtos em alguns institutos, como o Peabiru”, conta ele.
Outro produto da De Mendes que chamou a atenção recentemente foi o Bom Jardim, com 63% de cacau de origem da variedade Maranhão, produzido pelos ribeirinhos da comunidade homônima, em Barcarena, no Pará. Ele recebeu menção honrosa no Club Criollo (http://www.clubcriollo.com/), evento que reúne o alto luxo do mercado chocolatier em Paris, em 2015. “A De Mendes é, pra mim, mais que um negócio. Envolve as comunidades e o pequeno agricultor, a cultura de um povo, o manejo e a vida da floresta. E, consequentemente, também a preservação do cacau no mundo, já que ele corre risco de extinção”, diz o empresário.